O corpo em transformação na puberdade, a possibilidade de utilizá-lo para fins de reprodução e a perda dos pais infantis exigem do adolescente um trabalho psíquico de elaboração. Trabalho este que não é tarefa simples para aquele que entra na adolescência sem saber ao certo o que está por vir do mundo adulto, que já se apresenta através de novas exigências com relação à responsabilidade – presente na escolha de uma carreira, no direito ao voto e outras muitas exemplares – e, principalmente, no que diz respeito à possibilidade de exercer a sexualidade genital e, com isso, a possibilidade de gerar outro ser. Tantas mudanças implicam em perdas, pois, dentre muitos outros aspectos, perde-se a garantia que se tinha na infância de que os pais atenderão a todos os pedidos de “Sua Majestade, o bebê”.

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A puberdade traz ao adolescente mudanças significativas: mudanças corporais que fazem com que o adolescente se depare com uma nova imagem corporal e com a perda de “referências”, uma vez que esse corpo é novo e, portanto, é algo a ser descoberto. Emmanuelli (2008) também afirma que as transformações corporais pubertárias podem fazer com que o sentimento de continuidade de si mesmo vacile no adolescente, o que também nos remete à perda dos referenciais.

Pensando a adolescência do ponto de vista psicanalítico, temos que considerar as repercussões psíquicas dessa nova fase, ou seja, os aspectos pulsionais que se relacionam com a aquisição de um novo corpo e o remanejamento de referenciais identificatórios. A questão identitária se relaciona com a construção de ideais na adolescência, que terá estreita relação com a família (SAVIETTO, 2010). Emmanuelli (2008) aponta que identidade e identificações são novamente colocadas em pauta na adolescência, pois, ao mesmo tempo em que o sujeito tenta manter sua identidade, que está ameaçada, há um remanejamento identificatório.

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Essa difícil tarefa de se separar dos pais gera, no adolescente, oscilação de humor e ambivalência de sentimentos com relação às figuras parentais. Para Teresa Pinheiro (2001, p. 72), será necessário ao adolescente “denegrir a imagem dos objetos edipianos, que serão desalojados do lugar de ídolos que ocuparam na infância do adolescente, passando a ser apontados como seres ‘menores’ que ‘nada sabem’”.

O ingresso na vida adulta implica em um trabalho de luto, que não é só por parte dos filhos, mas também dos pais – estes mesmos revivem sua adolescência e, portanto, aspectos edipianos destes retornam juntamente com os do adolescente.

Referências bibliográficas

EMMANUELLI, M. A clínica da adolescência. In: REZENDE CARDOSO, M.; MARTY, F. (Org.). Destinos da adolescência. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.

PINHEIRO, T. Narcisismo, sexualidade e morte. In: REZENDE CARDOSO, M. (Org.). Adolescência: reflexões psicanalíticas. Rio de Janeiro: NAU Editora: FAPERJ, 2001.

SAVIETTO, B. B. Adolescência: ato e atualidade. Curitiba: Juruá, 2010.

 

Mauricio Knobel (1981), no texto “A síndrome da adolescência normal”, define a adolescência como:

 

“[…] a etapa da vida durante a qual o indivíduo procura estabelecer sua identidade adulta, apoiando-se nas primeiras relações objeto-parentais internalizadas e verificando a realidade que o meio social lhe oferece, mediante o uso dos elementos biofísicos em desenvolvimento à sua disposição e que por sua vez tendem à estabilidade da personalidade num plano genital, o que só é possível quando consegue o luto pela identidade infantil” (Knobel, 1981, p. 26).

 

Com essa definição, Knobel nos coloca diante do ponto chave em relação ao qual pensamos a adolescência, que é o processo de luto: básico e fundamental para que a “identidade adulta”, nos termos dele, se consolide.

A ideia central defendida pelo autor é a de que o processo da adolescência se dá a partir de um certo grau de “conduta patológica” que, segundo ele, “devemos considerar como inerente à evolução normal dessa etapa da vida” (Knobel, 1981, p. 27). O título do seu texto já nos indica esse posicionamento de pensar a adolescência como uma “síndrome”. Para o autor, percebe-se nessa “síndrome”, dentre outras características, períodos de: elação, introversão, urgência, desinteresse, crises religiosas – que podem oscilar entre o ateísmo anárquico ao misticismo fervoroso –, intelectualizações, condutas sexuais dirigidas ao heteroerotismo e até a homossexualidade ocasional.

Os processos de luto, para Knobel, obrigam os adolescentes a recorrerem a certas atuações defensivas, que podem ter caráter fóbico, maníaco, esquizoparanoide etc. Para o autor, essas condutas seriam parte da “patologia normal” do adolescente. Contudo, é necessário que essas características se dissipem com o tempo, como todo processo de luto, sob pena de se cristalizar em um quadro patológico. Knobel (ibid.) aponta que a menor ou maior “anormalidade” dessa síndrome se relaciona com os processos de identificação e luto que o adolescente pôde realizar.

Quando os processos de luto dos aspectos infantis perdidos se realizam de forma patológica, Knobel afirma que a necessidade de busca de uma identidade se torna extremamente necessária, o que pode ocasionar o estabelecimento de uma “identidade negativa” – conceito de Erikson (1956 apud Knobel, 1981), que remete a identificações com figuras negativas, mas reais, como no caso de grupos de delinquentes, drogados e outros. Esses recursos dizem respeito ao processo de separação das figuras parentais e da constituição do que Knobel chama de “identidade adulta”, processo esse que exige uma mudança da relação do sujeito com os pais externos e as imagos parentais internalizadas.

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O adolescente se defronta com intensas mudanças corporais, sinalizadas por diversos autores: o corpo de criança se transforma em um corpo de adulto, com formas delineadas. Contudo, Pinheiro (2001) aponta uma consequência sutil dessas mudanças que consiste no fato de que o corpo que entra na vida adulta é também um corpo que vai envelhecer. Portanto, a entrada na adolescência e, com isso, na sexualidade genital, comporta essa dupla vertente, a qual Pinheiro denomina como a “dor e a delícia” desse processo: há a possibilidade de exercer a sexualidade genital, mas há a constatação de que o corpo do adulto não vai mais crescer, mas sim envelhecer; o adolescente se depara com sua própria finitude.

Lidar com a perda, com a ideia de que somos mortais e que, a partir daí, o corpo entrará num processo de envelhecimento, é lidar com a castração. Convém apontar que estamos lidando com aspectos inconscientes do adolescente e, por isso, o que aparece para nós é aquele sujeito que se mostra como infalível, mas que é, sabemos, atravessado pela questão da castração, da lei, da interdição.

O narcisismo coloca-se, segundo Pinheiro (2001), como uma revolta à castração – frente ao desamparo e à fragilidade, o adolescente lança mão da onipotência e de verdades absolutas, que, de acordo com a autora, seriam características da melancolia. A tristeza, o luto e a solidão também se encontram presentes na problemática adolescente. A autora afirma que é necessário erigir modelos para ser possível a identificação, num momento em que as identificações egoicas parecem frágeis. Sobre essa intensa exigência narcísica que se dá na adolescência, Emmanuelli (2008) destaca que essa ocorre tanto no sentido de uma inflação narcísica, quanto de uma desvalorização, característica essa percebida fenomenologicamente através das alterações bruscas de humor comuns no adolescente.

Palmeira e col. (2006) apontam que a imagem de si está em construção na adolescência e é apoiada muito pelo olhar do outro, e não somente pela percepção do adolescente de suas mudanças corporais; é a partir do laço com o outro que a estranheza desse corpo modificado será sentida pelo adolescente. Sublinha-se a importância da presença do outro nesse momento, que poderá, ao mesmo tempo, ser fonte de ansiedade, propiciada pelo retorno de fantasias inconscientes, como também esse outro poderá auxiliar o adolescente no processo de remanejamento identificatório.

Referências bibliográficas

EMMANUELLI, M. A clínica da adolescência. In: REZENDE CARDOSO, M.; MARTY, F. (Org.). Destinos da adolescência. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.

PALMEIRA, C. et al. Desamparo e melancolia na adolescência contemporânea. In: REZENDE CARDOSO, M. (Org.); Colab. Helena Aguiar et al. Adolescentes. São Paulo: Escuta, 2006.

PINHEIRO, T. Narcisismo, sexualidade e morte. In: REZENDE CARDOSO, M. (Org.). Adolescência: reflexões psicanalíticas. Rio de Janeiro: NAU Editora: FAPERJ, 2001.