Convém apontar que o amor como motivação para o casamento é recente historicamente, uma vez que antes se realizavam uniões por interesse financeiro e social. Até o fim do século XIX e início do século XX, o romance estava fora do casamento e a identidade social que se constituía era a do homem, e não do casal conjugal. A introdução do amor no casamento favoreceu, portanto, a formação de um psiquismo compartilhado pelo casal.
Entretanto, devemos considerar que não há tanta liberdade assim na escolha amorosa. Torres (2000) aponta que a escolha sentimental está ligada a códigos sociais – o amor seria, para a autora, “uma espécie de mola propulsionadora da ação, uma força que, no quadro dos valores das sociedades contemporâneas, tem o poder suficiente para criar, em sentido real e figurado, novas relações sociais” (TORRES, 2000, p. 147).
Além de criar novas relações sociais, a conjugalidade também cria uma realidade material. Não estamos tratando aqui de um sentido simbólico criado, que de fato também existe, mas sim uma realidade material mesmo: “vida em conjunto, relações familiares, filhos” (TORRES, 2000, p. 139). É importante apontar que essa realidade criada pelo casal também muda nos diferentes “tempos” da conjugalidade, de acordo com a mudança do ciclo vital da família – casal sem filhos, com filhos adultos, trabalhando ou aposentado, em início do casamento ou não, etc. Tais configurações geram realidades objetivas diferentes e investimentos afetivos também distintos.
Na contemporaneidade, em que o pensamento individualista predomina, pensar em criar uma realidade objetiva conjunta, fruto do amor, e principalmente com a criação de um psiquismo compartilhado, são questões que mobilizam os sujeitos de forma intensa. Há muitos paradoxos que se colocam na atualidade com relação ao casamento, nesse mundo em que o individualismo e o desejo de autonomia imperam.
Há uma duplicidade na escolha amorosa: por um lado, considera-se a escolha de um parceiro a partir dos sentimentos e da atração, mas, por outro, escolhe-se alguém socialmente próximo (TORRES, 2000). Consideramos a escolha amorosa como uma formação de compromisso, um desejo condicionado, não só no sentido de escolher o parceiro a partir de uma “lógica social de aceitabilidade”, como considera Torres (2000), mas, principalmente, por unir o desejo inconsciente do que lhe foi transmitido pela família com a necessidade de constituir uma relação nova e criativa.
Referência bibliográfica
TORRES, A. “A individualização no feminino, o casamento e o amor”. In: PEIXOTO, C. E. (Org.). Família e individualização. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2000.