É difícil definir o que é psicanálise, já que muitos desdobramentos desse campo foram feitos desde sua criação por Freud em 1900. Inicialmente, a tarefa da psicanálise, para Freud, seria a de tornar consciente o que está inconsciente, pois, assim, suspenderia as repressões e, com isso, a pré-condição para a formação do sintoma patogênico. A terapia analítica, como não se propõe a remover sintomas, é uma terapia causal, pois visa à causa, contudo, é uma terapia psíquica que, segundo Freud, ataca em conjunto diferentes pontos, não necessariamente aqueles que seriam as causas.

Sigmund_Freud

Freud enfatiza a importância das experiências da infância e aponta que, para chegarmos ao que está reprimido, temos que desfazer as resistências, através da interpretação, da descoberta e da comunicação ao paciente. Sobre a relação analista-paciente propriamente dita, Freud fala sobre o interesse pela pessoa do psicanalista, a supervalorização e a amabilidade que são dirigidas a este pelo paciente no início do tratamento, o que favorece os progressos da análise; contudo, não dura muito tempo, posteriormente as associações começam a faltar, demonstrando o fenômeno da resistência. Toda essa relação diz respeito à transferência, ou seja, transferência de sentimentos à pessoa do analista.

A transferência está presente desde o início do tratamento e é o principal instrumento do seu progresso. Tantos os sentimentos afetuosos quanto os hostis revelam um vínculo afetivo e se relacionam com a transferência. “Superamos a transferência mostrando ao paciente que seus sentimentos não se originam da situação atual e não se aplicam à pessoa do médico, mas sim que eles estão repetindo algo que lhe aconteceu anteriormente” (FREUD, 1917, p. 445).

Na prática, um tratamento psicanalítico necessita de muitas sessões semanais para que o processo possa ser contínuo e mais aprofundado, já que com poucos encontros a investigação dos mecanismos inconscientes fica mais superficial e as resistências, mais afloradas.

Referência bibliográfica:

FREUD, Sigmund. Conferências introdutórias sobre psicanálise (Parte III). [1916-1917], Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XVI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

Freud diz que a ansiedade é a principal queixa dos neuróticos e que esta pode atingir enorme intensidade. Todos nós já sofremos desse sentimento e, segundo ele, não é necessária uma descrição desse estado afetivo. Há dois tipos de ansiedade: realística e neurótica. A primeira, realística, seria uma ansiedade racional, que vem como uma reação a um perigo externo, ou seja, algo esperado e previsto. Poderíamos pensar que esse comportamento é vantajoso, já que prevê o acontecimento, contudo, Freud aponta que a ansiedade em nada ajuda nessas situações, mas sim o que auxiliaria seria uma fria avaliação do perigo para que o sujeito pudesse fugir ou se defender de forma bem sucedida.

Freud fala sobre a ansiedade nos neuróticos, em que uma espécie de ansiedade livre anseia por se ligar a alguma idéia, como se o sujeito buscasse interpretar eventos de maneira pessimista sempre – isso se denominaria uma “expectativa ansiosa”. A ansiedade em excesso compõe um distúrbio nervoso chamado “neurose de angústia”, atualmente conhecida como “transtorno de pânico”.

ansiedade[1]

Outra forma de ansiedade neurótica seria aquela ligada a algumas determinadas idéias, como a “ansiedade das fobias” – com relação a cobras, viagens de navio, multidão e solidão, dentre outras. Nesses casos, o estranho não é o conteúdo, pois sabemos que há um perigo remoto, mas sim a intensidade da ansiedade. Outro grupo de fobias está para além de nossa compreensão, segundo Freud, como no caso de um homem forte e maduro com agorafobia, por exemplo. Freud classifica todas essas fobias como “histeria de angústia”.

No caso de pacientes histéricos, eles não sabem de que têm medo, mas através da elaboração secundária conseguem chegar ao medo de morrer, de enlouquecer ou de ter um ataque. Nos neuróticos obsessivos, a ansiedade aparece quando estes são impedidos de executar seus rituais, o que nos faz perceber que o sintoma encobria a ansiedade.

Freud volta ao argumento de que a criança sente ansiedade pela separação da mãe, tendo como protótipo disso o nascimento – a criança substitui o objeto de amor ausente por um objeto externo ou uma situação. A fobia histérica seria, portanto, uma continuação da ansiedade infantil. A ansiedade, para Freud, está ligada ao sistema inconsciente e, portanto, às idéias reprimidas.

Referência bibliográfica:

Conferência XXV: “A ansiedade” (Freud, 1917, SE vol. XVI)

 

Pensando a melancolia numa vertente histórica, Carvalho da Silva (1998) nos diz que a melancolia é uma enfermidade que atormenta a humanidade há muitos séculos. Na primeira modernidade, o termo “melancolia” tanto podia designar uma patologia, quanto o humor bile negra ou uma compleição, ou melhor, para denominar aquele que está no limite da saúde. Os melancólicos seriam, para os estudiosos dessa época, indivíduos frios e secos com um comportamento marcado pela tristeza e temor.

melancolia

No século XX, Freud (1917) escreve o texto Luto e melancolia, no qual compara o processo patológico da melancolia com o afeto normal de luto. O luto, segundo Freud, é uma reação à perda de alguém querido, sendo que, em algumas pessoas, pode ser despertada a melancolia em vez do luto. Não se considera o luto uma patologia, pois se espera que esse estado tão distante da normalidade se dissipe com o tempo. No luto, há um trabalho, através do teste de realidade, quando se percebe que o objeto amado não existe mais, exigindo que a libido seja retirada das ligações com aquele objeto.

Jean Laplanche (1987), comentando o texto Luto e melancolia (FREUD, 1917), afirma que Freud considera a melancolia como um quadro psicopatológico de psicose que, muitas vezes, se alterna com um estado maníaco, no que se conhece como psicose maníaco-depressiva – atualmente denominado, no campo da psiquiatria, por Transtorno Bipolar do Humor. O campo das depressões é complexo, segundo Laplanche, pois se tem o luto ligado à perda do objeto, a depressão ligada a um sentimento de inferioridade e a depressão ligada a um sentimento de culpabilidade, que neste caso se caracteriza como melancolia. Freud aponta como características da melancolia o desânimo e a diminuição da auto-estima, o que pode chegar à auto-recriminação e culminar em um delírio de punição.

Referências bibliográficas:

CARVALHO DA SILVA, P. J. Um sonho frio e seco: considerações sobre a melancolia. In: Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 1, n. 1 (1998), p. 286-297. São Paulo: Editora Escuta, 1998.

FREUD, S. Luto e Melancolia (1917 [1915]). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. XIV.

LAPLANCHE, J. Problemáticas I: A angústia. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 287-345.

É necessário inicialmente fazer uma discussão do termo “estados limites”. Figueiredo propõe essa discussão terminológica: nos EUA e na Inglaterra, usa-se o termo “personalidade-limite” ou “paciente-limite” ou “condições-limite”, o que em português se traduz por “caso-limite”; na França, fala-se em “estados” ou “situações-limite”. Essa categoria de “casos-limite” foi criada para classificar aqueles que se encontravam numa situação fronteiriça entre psicose, neurose e perversão, ou seja, através da ideia de margem, borda e limite, chegou-se ao termo “borderline”.

O autor aponta a dificuldade de diagnosticar esses pacientes, mostrando que há autores que entendem o termo como designando uma síndrome, outros (franceses, principalmente) entendem mais como um “estado-limite”, ou seja, como uma condição que pode estar presente em diversos tipos de quadros psicopatológicos.

Um autor trazido por Figueiredo é Meissner, que discute as diferenças entre a problemática narcisista, que diz respeito à auto-estima, e a problemática borderline, que se refere à coesão e estabilidade do self. No que Meissner denomina como “condição borderline”, a coesão de si encontra-se em perigo, o que implica em questões de vida ou morte. Recursos para protegerem-se seriam: a personalidade “como-se” (Deutsch), o falso self (Winnicott) ou self em branco (Giovachini); ou seja, uma adesão submissa ao outro, um auto-esvaziamento afetivo e ideativo de caráter defensivo.

Otto Kernberg, desenvolvendo as teses de Margaret Mahler, sugere que a estrutura borderline se caracteriza por uma dinâmica instável, oscilante, com transições abruptas, que revela angústias presentes no processo de separação-individuação (“fase de reaproximação”), em que mãe e criança “negociam” o abandono do filho e, ao mesmo tempo, sua solicitação constante. Esse vaivém, quando permanece, impede que o sujeito adquira “autonomia individual” e “constância objetal” – os indivíduos borderline parecem ter uma dificuldade de construir e sustentar uma imagem integrada e estável de si. Além das idéias de Mahler, Kernberg também considera as defesas primitivas, encontradas nas estruturas borderline, tais como: cisões e o recurso a identificações projetivas.

Figueiredo traz, ainda, Alethea Horner, que definiu bem o que marca a dinâmica borderline, quais sejam: o padrão oscilatório dos afetos, a questão da instabilidade, das flutuações, das oscilações, das mudanças bruscas (“vaivém dos humores e das reações”), o que muitas vezes se confunde com a psicose maníaco-depressiva.

Pelo fato de a coesão do eu não estar assegurada no borderline, um recurso adotado é o apelo à dor, tanto física quanto psíquica, funcionando como um envoltório de um corpo e de uma mente ameaçados pela desagregação.

Referência bibliográfica:

FIGUEIREDO, L. C. “O caso-limite e as sabotagens do prazer”. In: Elementos para a clínica contemporânea. São Paulo: Escuta, 2003. pp. 77-107.

A importância de A Interpretação dos sonhos (FREUD, 1900) para a fundação e desenvolvimento da clínica psicanalítica, ao meu ver, reside no desenvolvimento do conceito de Inconsciente, um dos fundamentais em Psicanálise, que começa com esta obra. Freud percebe a implicação clínica deste conceito, a partir do estudo dos sonhos, apesar de não se preocupar exatamente com a demonstração do conceito de Inconsciente em si. Com o Inconsciente, Freud cria um campo, qual seja: lidar com o desejo que vem do outro.

Através de sua prática clínica, Freud mostra que o sonho é a via real para o Inconsciente. Temos notícia do Inconsciente, ou seja, daquilo que tem que ficar fora da Consciência, através do Pré-Consciente – a intensidade está lá, só que de maneira disfarçada. Nos sonhos, podemos acessar, de alguma forma, o material inconsciente. É através da transferência – nesse momento, transferência de intensidades – que esse material pode ser expresso nos sonhos. O conceito de transferência, que é colocado inicialmente nesta obra, também será um conceito importante para o desenvolvimento da clínica psicanalítica.

dali

Outra contribuição importante que A Interpretação dos sonhos (FREUD, 1990) trouxe para a Psicanálise foi a observação. Freud (1900) afirma que a interpretação dos sonhos se dá pela observação do discurso do sonhador, e não pela reflexão a respeito do sonho em si. É deixando que o sujeito fale sobre seu sonho que o analista pode, junto com ele e através da transferência, interpretar o sonho. O sujeito transfere os restos diurnos para o sonho, a sua intensidade; nesse sentido, a identificação de elementos carregados de intensidade, de afeto, pode nos indicar uma relação com o recalcado, com o desejo inconsciente.

O sonho deve ser interpretado pelo relato do sonhador. A interpretação não está dada de antemão. É nessa passagem da lembrança para o registro da palavra que algo do sonho pode ser revelado; nesse sentido, podemos relacionar com os sintomas, em que também há uma tentativa, em análise, de se procurar as lacunas do discurso – a mudança do semblante de sofrimento para um semblante de prazer, por exemplo, no sintoma histérico, pode ser a chave para a identificação do desejo.

Sonhamos com aquilo que é importante para nós e que não pudemos realizar na vida de vigília, ou seja, um desejo foi despertado, mas não foi satisfeito. Nesse sentido, o sonho é uma realização de desejo. Contudo, dizer que o sonho é a realização de um desejo não quer dizer que só sonhamos com coisas boas; não se trata de uma satisfação de um desejo, pois o desejo é um imperativo, uma demanda à qual não se pode satisfazer – quando for satisfeita, outra demanda aparece, outro buraco surge. É esse desejo, essa urgência, que se dá independente das intenções do sujeito, o que lhe constitui. Mais tarde, Freud vai tratar disso através dos conceitos de pulsão e Inconsciente.

Os restos diurnos, que podem aparecer nos sonhos, são de preferência os elementos não notados, sem importância, do dia anterior que são passíveis de deslocamento. O sonho utiliza-se desses elementos “sem importância” para que questões importantes venham à tona: um desejo disfarçado pela censura onírica. O material dos sonhos, que não é recordado nem utilizado nos pensamentos de vigília, é, segundo Freud (1900), a experiência da infância. Freud (1900) fala que os restos ou pensamentos diurnos são o empresário do sonho, enquanto que o capitalista do sonho – sem o qual o empresário nada faz – é um desejo oriundo do Inconsciente.

Freud (1900) afirma que devemos tratar o relato do sonho como Sagrada Escritura, pois é através da expressão lingüística com a qual ele nos é apresentado, assim como o seu conteúdo trazido, que poderemos chegar à interpretação. Freud critica quem considera o relato do sonho como algo caótico, pois considera já esse relato uma elaboração secundária, que deve ser considerada, assim como já o é o sonho – uma distorção dos pensamentos oníricos que tiveram que passar pela censura (FREUD, 1900).

Dali o sonho

Para Freud, portanto, na elaboração onírica (no sonho) há um trabalho, que será percebido através do relato do sonhador – certamente distorcido –, relato este também fruto de uma elaboração, o que também será material para a interpretação.

Referências bibliográficas:

FREUD, S. A Interpretação dos sonhos (I) (1900). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Trad. de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. vol. IV.

_________. A Interpretação dos sonhos (II) e Sobre os sonhos (1900-1901). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Trad. de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. vol. V.

As agonias impensáveis consistem no medo de perder a integração, num retorno a um estado de não-integração; o que está em jogo é a existência. Essa angústia de “cair para sempre”, de não ter sustento, deriva-se da ausência de investimento da mãe na fase de dependência absoluta. Falhas ambientais severas e precoces produzem essas agonias, que são “impensáveis” porque não podem ser ditas, não podem ser pensadas.

A psicose é uma defesa frente a essa angústia – não é a agonia impensável propriamente dita. O sujeito psicótico apresenta um déficit no trabalho de personalização e, por isso, perde a residência no corpo, não sente que é uma unidade psicossoma – como exemplo, podemos pensar no psicótico que não sente frio, quando está num local com baixas temperaturas, vestido somente com uma camiseta. Ele perde o sentido de real, uma vez que não tem a crença de que há uma realidade exterior a ele que possui certa previsibilidade, perdendo a capacidade de se relacionar com os objetos. Algumas características de defesas psicóticas frente a agonias impensáveis são: a invulnerabilidade – o mundo exterior não mais afeta o sujeito; a cisão do sujeito – que é patológica, uma vez que o ambiente falhou muito e a integração não foi possível; e a desintegração.